notas perdidas


e o gato 
      no alpendre 
               mia...
e no alpendre 
           o gato
              aguarda...
(algo que nunca virá) 

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    Arthur Rimbaud 
Jim Morrison
            eterno retorno
                            Nietzsche


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 conjunto vazio
[                          ]
                               conjunto vazio
                              [                          ]
                                                              conjunto vazio
                                                             [                          ]
                                                                                             conjunto vazio
                                                                                            [                          ]


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ao redor
abismos...


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não, não são somente os que estão doentes 
que se dão conta, de repente, horrorizados, 
que têm diante de si,
apenas um fio tão tênue de vida


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há um anelo que vem dos interstícios

há um fracasso que evapora nos interstícios
há uma impossibilidade que leva aos interstícios


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pelas frestas
vapores 
fumaças 
emanações 
fosforescências
nas frestas


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ai meu coração mimirrado
me negou mais este noturno


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alegria
não de se encontrar
de se descobrir
mas de se perder
deixar para trás a identidade
caminhar para uma diferença
abrir-se para outras possibilidades




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cada dia é único 
é preciso apreciar os momentos
que passam e passam
horas que escoam
horas que ecoam
dentro da vida
na memória




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estamos encharcados de banalidades
entupidos pelo senso comum
tudo tão medíocre banal 




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cada instante vivido
                    é uma luta contra a morte
cada instante passado
                    é uma afirmação da vida



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arco minguante 
da lua azul de prata 
daquela fria manhã 
em que partiu para não mais voltar



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temos que fazer nosso amigo imaginário

tornar-se um amigo real, 
senão...



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acontecimento: algo que se dá entre

um "ainda presente e já passado" 
e  um "já presente e ainda futuro"



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foi a tarde fria que tornou tudo tão frio?
ou foi este imenso frio que deixou a tarde fria?



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ó tempos sombrios!
deslizam as pálpebras
resfria a alma toda
o outono prospera!


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há momentos em que se faz necessário
entregar-se a uma difícil e dolorida tarefa: 
desfazer intrincadas costuras,
delicados pespontos e chuleados
para que se despedacem as ilusões...


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deixemos vir uma nova primavera!

2012

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a vida está sempre começando...
tem-se que acreditar nisso.


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como um gato

ficar recolhido 
por horas 
olhando o vazio...



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há dias que tudo chove...



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Um raio de luz atravessou
uma cristalina gota noturna de orvalho
pousada numa folhagem verde
que está implorando à aurora e ao vento
um lapso mais de vida



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silêncio

surpreende-se o rumor
do tempo


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há alguma saída?

saída para uma tristeza
tão absurdamente grande?


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não.

não se pode esperar até o fim.
ou o fim já chegou,
ou é tarde demais.


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para poder escrever

não é necessário "ser algo",
nem mesmo "ter vivido algo".
é preciso tornar-se algo na escrita,
viver algo na escrita.
escrever 
é sempre devir algo...


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pensei poder agarrar o tempo,

mas foi ele que me agarrou.


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agora eu sei 

que tudo existe um dia
apenas para acabar em seguida


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o que acaba

é sempre um mundo.


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como edward elger compôs treze 
variações de um tema 
que nunca é ouvido
quero escrever treze variações 
de algo que nunca fiz 



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mistérios...
vida sem explicações...
somente a assustadora velocidade do tempo
somente a fantástica lentidão do tempo
e mudança e mudança e mudança
e como tudo parece não sair do lugar....



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onde estavam as horas,
quando precisei do tempo?
onde estão os dias,
agora que ainda vivo?




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há um tipo de doença
a do corpo, que provoca muita dor,
impossibilita a vida e mata
morre-se disso...
há um outro tipo de doença,
a da alma, que provoca muita dor,
impossibilita a vida e mata,
morre-se disso...



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...porque tudo vai bem mal...
onde foi que guardei os mapas?
onde foi que deixei a caixa de fotografias?
quando foi a última vez que olhei pela janela?
em que mês deitei e dormi?
em que ano perdi os anéis?
será que um dia vai ventar?
que flores são estas que crescem pelas frestas?
quem é esta que me olha de viés?
não posso mais escutar o canto dos anjos?
...porque tudo está em suspenso...

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ai que medo!! 
medo da tristeza não desgrudar mais,
de permanecer este bosque devastado.
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ah, era um bosque tranquilo (nem tanto)
cheio de pássaros e flores.
agora, estilhaços e ruínas.



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Estava tudo lá, tudo lá...
Estava tudo anunciado, tudo anunciado...
Eu é que não vi, não vi...
Agora vejo. 
Tarde demais.


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...um dia
ao voltar a ler este livro, se voltar,
espero estar me sentindo viva
e não tão infeliz como agora.



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aturdimento

2011